Cães, Gatos, Imunização

Influência do parasitismo na resposta vacinal

O sistema imunológico (SI) dos vertebrados é composto essencialmente por células e moléculas que formam uma rede complexa e organizada que atuam em conjunto com os sistemas endócrino e nervoso, com o objetivo único de criar e manter equilíbrio diante dos estímulos e desafios ambientais. Assim, por meio de mecanismos fisiológicos os componentes do SI limitam os eventos potencialmente deletérios que possam representar uma ameaça à manutenção da vida, como por exemplo, a invasão por agentes infecciosos.

De uma forma geral, o SI é capaz de distinguir os antígenos estranhos ao organismo e montar uma resposta frente à presença desses agentes infecciosos. A indução da imunidade pode ser adquirida de forma natural, quando o organismo é exposto a algum patógeno ou de forma induzida, quando exposto a vacinas. A vacinação é uma das medidas mais efetivas na prevenção de doenças e a decisão de qual vacina utilizar, de que forma e quando, é uma atribuição exclusiva do médico veterinário. Os protocolos de vacinação de cães e gatos devem ser individualizados e adaptados às situações epidemiológicas diversas. O objetivo de uma vacina segura é promover a indução de imunidade duradoura e protetora, com o menor risco possível de reações adversas. A simples falha em responder à vacinação pode ser considerada uma reação adversa. É preciso lembrar que a resposta a uma vacina é individual e por ser um processo biológico, pode sofrer influência de muitos fatores. Entretanto, sabe-se que a maioria dos cães e dos gatos responderá de forma satisfatória à vacinação, sendo capazes de montar uma resposta duradoura, adequada e protetora contra os patógenos contidos nas vacinas de qualidade, especialmente naquelas consideradas vacinas essenciais.

Embora a maioria dos animais submetidos à vacinação desenvolva resposta imunológica humoral (imunoglobulinas) e celular (de memória; linfócitos T), existe uma pequena parcela da população que é incapaz de responder de forma adequada (temporária ou permanentemente) e que permanece suscetível às infecções mesmo depois de vacinada. Nesse contexto, um dos fatores mais importantes e que se deve considerar, independente da idade do paciente, é a saúde do animal a ser vacinado. Vacinas são produtos desenvolvidos e testados para serem aplicados a animais saudáveis. É aí que a avaliação clínica a ser realizada pelos médicos veterinários é imprescindível para distinguir os animais que não devem ser vacinados. Animais podem estar cursando período de incubação de infecções já instaladas e um erro de avaliação das condições sanitárias do paciente poderá comprometer o bem-estar do animal. Assim, é de fundamental importância que o exame clínico antes da aplicação de qualquer vacina seja sempre minucioso. 

.São inúmeras as causas de falha de resposta vacinal. Inicialmente, é necessário verificar se a falha ocorreu devido a erros na conservação (rede de frio) ou aplicação das vacinas (por exemplo: tempo entre reconstituição e aplicação, excesso de solução antisséptica local). Às vezes, o uso concomitante de antibióticos em um animal que recebeu uma vacina contendo cepas bacterianas vivas (infectantes), poderá comprometer a resposta imunológica. Em alguns casos, a causa da falha pode relacionar-se a um erro na produção da vacina ou a mesma pode conter uma cepa inadequada ou incapaz de promover proteção. Esse tipo de falha é incomum, principalmente quando se utiliza vacinas de qualidade internacional comprovada, provenientes de fabricantes idôneos e de boa reputação.

Dentre os fatores intrínsecos ao hospedeiro que podem interferir negativamente na resposta vacinal, pode-se citar: i) presença de anticorpos de origem materna; ii) presença de imunodeficiências, desnutrição; iii) idade – animais muito jovens ou idosos; iv) estresse e; v) doenças preexistentes,  parasitose. Em relação à parasitose, sabe-se que em especial os filhotes de cães e gatos são frequentemente acometidos por parasitos gastrointestinais e podem desenvolver quadros graves. A imaturidade imunológica dos filhotes associada à alta contaminação ambiental e condições sanitárias inadequadas favorecem a infecção por parasitos intestinais, principalmente helmintos e protozoários responsáveis por quadros de diarreia aguda que podem levar à morte.

Os helmintos dos gêneros Toxocara, Toxascaris e Ancylostoma e os protozoários da espécie Giardia duodenalis são os parasitos intestinais que frequentemente acometem os filhotes de cães e gatos. É importante lembrar que a profilaxia das verminoses seja iniciada antes mesmo do nascimento dos filhotes, por meio da administração de antihelmínticos à mãe durante o terço final da prenhez ou no período de lactação. Esse cuidado minimiza a transmissão transplacentária de Toxocara canis e transmamária de Ancylostoma spp. Além disso, deve-se manter boas práticas de higiene no ambiente, pois qualquer desses endoparasitos pode ser transmitido pelo contato com as fezes da mãe.

O uso de antihelmínticos na profilaxia ou tratamento das parasitoses em filhotes de cães deve ser iniciado entre a segunda e terceira semanas de vida. Já para os filhotes de gatos, recomenda-se o uso de antiparasitários a partir da terceira semana de vida, uma vez que a infecção transplacentária de endoparasitos é rara nessa espécie.

Animais com elevadas cargas parasitárias tendem a responder de forma deficiente à vacinação. Nesses casos, a resposta imunológica normal está comprometida, pois o SI está dedicado a debelar a infecção parasitária. Certamente a resposta vacinal de um animal infectado por endoparasitos será menos eficiente do que aquela demonstrada por um animal não parasitado. É importante ressaltar ainda que mesmo que o animal não esteja apresentando sinais clínicos de enterite parasitária, somente o fato de os estar albergando, significa que o seu SI está ativado, respondendo à presença dos mesmos. Obviamente um filhote de cão ou gato que esteja debilitado ou desnutrido em função da parasitose, já demonstra sinais evidentes de imunossupressão e que sua imunização estará comprometida. Assim, a avaliação clínica antes da aplicação da vacina em filhotes de cães ou de gatos deve incluir no histórico e anamnese a informação sobre o uso prévio de antihelmínticos e, nunca é demais repetir que somente os animais hígidos deverão ser vacinados.

A importância da imunização profilática contra doenças é inquestionável, entretanto, para que não haja interferência na resposta imunológica e consequente falha vacinal, é necessário verificar se o animal encontra-se saudável e livre de endoparasitos.

Referências

Greene, EC. Infectious diseases of the dog and dat. 4.ed. Missouri:Saunders Elsevier, 2012.

Jericó, MM; Neto, JPA; Kogica, MM. Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos – Vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.

Little, SE. The Cat, Clinical Medicine and Management. 1st.ed. Missouri: Saunders Elsevier, 2012.

Sykes JE. 2014. Canine and Feline Infectious Diseases, 915pp. St. Louis: Elsevier Inc.



Flavya Almeida

Flavya Almeida

Médica Veterinária formada pela UFF.

Mestrado em Medicina Veterinária pela UFF.

Doutorado em Ciências Veterinárias pela UFRRJ.

Professora de Clínica Médica de cães e gatos da UFF.