Cães, Gatos, Imunização

Entenda como as vacinas com duas cepas de calicivírus aumentam a proteção do felino

O calicivírus é um vírus pequeno, não envelopado, com o material genético de fita simples de RNA, membro do gênero Vesivírus. Além do gato doméstico, outros membros da família Felidae podem ser infectados. Geralmente as muitas cepas de calicivírus (CVF) são de baixa virulência e causam doença do trato respiratório anterior (espirros e secreção nasal discreta) e ulceração oral, nos lábios ou nas narinas. Podem acompanhar o quadro febre, apatia e anorexia. As úlceras ocorrem na margem lateral ou anterior da língua e podem causar salivação profusa. A maioria das úlceras cicatrizam em uma a três semanas. Este vírus também está associado a quadros de gengivo-estomatite e seu papel nesta condição é desconhecido. O período de incubação do vírus no ambiente doméstico é de um a 12 dias.

Mais recentemente surgiu o calicivírus sistêmico virulento (CVF-SV) que induz alta mortalidade e virulência. O CVF-SV induz quadros que não se restringem ao trato respiratório, ou seja, o vírus virulento é capaz de replicação em outros tecidos e tipos celulares. Os surtos do CVF-SV estão associados com a introdução de gatos originados de abrigos ou criatórios. O sistema imune dos novos contactantes desconhecem o novo subtipo do vírus, o que permite a ele altos níveis de replicação e recombinação com a possibilidade de surgimento da cepa virulenta. A mortalidade induzida pelo vírus virulento é maior em gatos adultos e os quadros estão relacionados com vasculite imunomediada.

O vírus virulento tem tropismo por células endoteliais e epiteliais da pele e órgãos parenquimatosos. O quadro tem início com uma doença respiratória anterior grave aguda; ulceração oral que evolui para edema subcutâneo da cabeça e membros; ulceração cutânea de coxins, narinas e pavilhões auriculares; pneumonia broncointersticial; necrose hepática, pancreática e esplênica; e distúrbios hemorrágicos (petéquias, equimoses, epistaxe e hematoquezia). O quadro induzido é de síndrome inflamatória sistêmica com coagulação intravascular disseminada e insuficiência múltipla de órgãos. Os sintomas clínicos podem ser utilizados como diagnóstico presuntivo. Para a confirmação da suspeita diagnóstica utiliza-se a RT-PCR de swabs da orofaringe e conjuntival, como também de outros tecidos e secreções. A variabilidade de cepas de CVF pode levar a resultados falso-negativos. O tratamento envolve terapia de suporte intensiva com fluidoterapia, analgesia, antibioticoterapia e uso de glicocorticoides e interferon. Até o momento não é disponível tratamento antiviral contra o calicivírus.

A transmissão ocorre por contato direto com secreções nasais, oculares e orais. A transmissão por aerossóis não é importante para o CVF como o é para o herpesvírus felino. A replicação do vírus ocorre principalmente na boca e trato respiratório anterior com a maioria das cepas, mas o vírus já foi encontrado replicando nos pulmões e no tecido sinovial na dependência da cepa. Gatos com infecção aguda eliminam o vírus por duas a três semanas, embora alguns gatos eliminem o agente de forma persistente por períodos variáveis. As gatas podem eliminar o vírus por quatro a seis semanas após o parto. A reinfecção pode ocorrer e é comum. Assim os portadores crônicos são de extrema importância na epidemiologia da doença. O vírus persiste nos tecidos da orofaringe e tonsilas.

O estado de portador crônico é mais prevalente em ambientes com muitos gatos (25 a 75%), como abrigos e criatórios, do que em propriedades com poucos animais (10%). Filhotes tendem a se tornar susceptíveis à infecção e doença no momento em que caem os títulos de anticorpos maternos em 10 a 14 semanas, embora exista variação individual. O CVF sobrevive no ambiente por aproximadamente um mês. Os desinfetantes que inativam vírus não envelopados como o CVF são aqueles com aldeídos, ácido peracético, monopersulfato ou hipoclorito. Importante ressaltar para se obedecer a correta diluição do produto e o tempo de contato para a adequada desinfecção.

A vacinação contra o calicivírus é considerada obrigatória ou essencial. A maioria das vacinas estão em combinação com o herpesvírus e o vírus da panleucopenia. Estão disponíveis vacinas com vírus vivo atenuado ou morto de aplicação parenteral. Deve-se tomar cuidado na aplicação das vacinas vivas atenuadas de uso parenteral para que o vírus vacinal não alcance a mucosa do trato respiratório e induza sinais clínicos. Isto pode ocorrer quando o gato lambe o local de aplicação ou são formados aerossóis pela seringa. No exterior, estão disponíveis vacinas de aplicação intranasal que podem ser aplicadas conjuntamente com as vacinas de uso parenteral. Independente do tipo de vacina ela não evita a infecção e o estado de portador.

Existe considerável variação antigênica entre as cepas de CVF, o que impacta diretamente sobre a capacidade de proteção das vacinas. As cepas contidas nas vacinas protegem contra a maioria das cepas de campo, mas de forma não uniforme entre elas. Esta proteção está na dependência de proteção cruzada antigênica determinada pelas cepas vacinais com as cepas do ambiente natural. Um agravante que influencia a proteção determinada pelas vacinas é que no ambiente natural as cepas de CVF podem mudar durante o tempo. O uso de vacinas multivalentes para CVF tendem a proteger de forma mais efetiva os gatos vacinados pela maior neutralização de cepas. Ainda mais quando se considera que as cepas de CVF-SV entre os diferentes surtos são diferentes antigenicamente.

A vacinação pode começar em filhotes com seis semanas com reforços a cada três a quatro semanas até que completem 16 a 20 semanas de idade. Em abrigos ou condições em que os gatos são criados em alto risco o início da imunização pode ser com quatro semanas de idade e o intervalo entre os reforços pode ser a cada duas a três semanas. A revacinação deve ser com um ano após o esquema vacinal do filhote ou do gato adulto primoimunizado. Os reforços posteriores estarão na dependência do estilo de vida do gato e pode ser anual naqueles em alto risco ou trienal naqueles em baixíssimo risco. Uma única dose de vacina intranasal induz imunidade mais rápida em dois a quatro dias e pode ser útil em gatos que serão introduzidos em ambiente de alto risco ou mesmo naqueles que estão nesta situação.

O início da proteção conferido pelas vacinas é de uma a três semanas após a segunda dose. Recomenda-se um reforço após um ano do término do esquema vacinal. As vacinas vivas atenuadas injetáveis em geral são seguras, mas podem induzir doença branda do trato respiratório anterior. Este fato tem maior frequência com o uso de vacinas de aplicação intranasal. As vacinas inativadas podem ser mais apropriadas para evitar este problema em grupos de gatos livres da doença ou ambientes com poucos gatos.

O controle da calicivirose não deve depender apenas da imunização dos gatos, mas as medidas de manejo ambiental são imprescindíveis neste controle. As medidas de manejo devem seguir desinfecção adequada do ambiente e materiais do local; quarentena de novos ingressantes; isolamento de gatos doentes; nutrição, ventilação e temperatura adequadas; evitar situações estressantes e densidade populacional alta, e providenciar enriquecimento ambiental ótimo do local. Estas medidas associadas a imunização trarão excelente impacto no controle de doenças infecciosas respiratórias.

Doutor Marcelo Zanutto


Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo em 1995. Programa de Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais junto ao Hospital Veterinário da FMVZ-USP. Mestre e Doutor em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP. 

Fez parte do Quadro Docente, no cargo de Professor Adjunto Doutor do Departamento de Patalogia e Clínicas da Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia de 2002 até 2006.

Faz parte do Quadro Docente, no cargo de Professor Associado Doutor do Departamento de Clínicas Veterinárias (DCV) do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Atenção: O conteúdo deste site é destinado exclusivamente a médicos-veterinários, profissionais qualificados para avaliar e atestar a saúde de cães e gatos durante o processo de imunização. Se você não é um médico-veterinário, procure as informações com o profissional de sua confiança.

Compartilhe esse artigo com os seus amigos profissionais veterinários:

LinkedIn Twitter Facebook Email


Saiba onde encontrar nossas vacinas:

adm-sac@zoetis.com
SAC ZOETIS: 0800 011 1919

Clique aqui para conferir outros artigos exclusivos.