Cães, Imunização

Será que os tutores sabem o que é a dirofilariose?

A dirofilariose canina, popularmente conhecida como a doença do verme do coração, é uma doença parasitária cardiopulmonar causada pelo agente etiológico Dirofilaria immitis, um parasita nematóide que acomete cães domésticos e silvestres, que são considerados os hospedeiros naturais e principais reservatórios desta parasitose, embora outros mamíferos, inclusive o homem, possam também ser infectados, sendo considerada uma zoonose.

A distribuição geográfica da Dirofilaria immitis é considerada cosmopolita, ou seja, pode ser encontrada em diferentes países, embora existam algumas regiões tidas como mais endêmicas que outras. Porém, com as modificações climáticas, e o aumento do trânsito de animais, observamos um aumento também do potencial para que ocorra a sua infecção. Outro fator que também tem ocasionado esse aumento, é o crescimento da população humana e canina em áreas antes consideradas não endêmicas, gerando uma maior disseminação da doença e aumento da sua prevalência, a urbanização dessas áreas leva a alterações climáticas tornando o ambiente ideal para a disseminação de vetores da doença. Com isso em mente, não podemos dizer que exista hoje, alguma área que possua risco zero de disseminação da doença.

No Brasil, no início dos anos 2000 observou-se um declínio na frequência da doença, as razões para a tendência de queda na infecção por D. immitis incluíram o uso adequado de quimioprofilaxia, uso indiscriminado de ivermectina injetável e aumento do uso de tetraciclina (ou derivados) para controlar a erliquiose, o que pode ter tido efeito sobre a Wolbachia, bactéria que vive em simbiose com a larva adulta de dirofilaria, com isso observamos impacto na sobrevivência e reprodução do verme adulto, diante disso tudo entende-se que com esse número mais baixo em muitos casos a doença acabou sendo negligenciada na época, e de acordo com um levantamento realizado em 2014 a frequência cresceu muito, passando de 2% para 23,1% no país. O estado do Rio de Janeiro é considerado um dos mais endêmicos, sendo responsável por elevar essa taxa de frequência, com áreas chegando a apresentar 62,2%.

O ciclo de vida da D. immitis é relativamente longo (normalmente 7-9 meses) em comparação com a maioria dos nematoides.

Para que o ciclo da doença se complete se faz necessário a presença de um vetor, que seriam os mosquitos, são mais de 70 espécies e os principais são os dos gêneros Culex, Aedes e Anopheles.

Após o repasto sanguíneo em um hospedeiro portador de microfilárias, os mosquitos vetores tornam-se infectados. No inseto vetor, o estágio larval 1 (L1) muda para o estágio larval 2 (L2) e, finalmente, sofre uma nova metamorfose, para larva de terceiro estágio (L3) ou larva infectante. Em seguida a L3 migra pela cavidade geral do inseto e atinge a cabeça e o aparelho bucal do mosquito, onde tornam-se aptas a serem transmitidas para um novo hospedeiro.

O tempo necessário do desenvolvimento da microfilária para o estágio infectante no mosquito irá depender da temperatura do ambiente. Em temperatura de 27°C e umidade relativa de 80%, o desenvolvimento de L1 a L3 é de 10 a 14 dias, sendo este tempo maior em temperaturas mais baixas.

Quando o mosquito realiza um novo repasto sanguíneo, essas larvas infectantes são transmitidas para esse novo hospedeiro. As larvas L3 e L4 transitam entre as fibras musculares durante a migração, enquanto as formas jovens (adultos imaturos) penetram o tecido muscular e eventualmente veias, sendo assim transportadas para o coração e pulmão.

A muda de L3 a L4 inicia-se no terceiro dia e termina de 9 a 12 dias após a infecção. A última muda de L4-L5 ocorre entre o dia 50 a 70 após a infecção. Helmintos imaturos atingem os vasos pulmonares a partir do dia 67, com todas as formas imaturas (L5) atingindo este órgão entre 90 a 120 dias.

Muitos cães, principalmente os recentemente infectados, são assintomáticos, sendo a doença diagnosticada apenas por um resultado positivo em testes sanguíneos de triagem de rotina.

Como primeiro método de triagem, a American Heartworm Society recomenda que testes de antígeno (Ag) de dirofilárias sejam utilizados. A eficácia do teste na detecção da dirofilaria só poderá ser confirmada após 7 meses de infecção, o tempo necessário para que o ciclo biológico da D. immitis se complete no hospedeiro e as fêmeas entrem em reprodução.

Já os cães sintomáticos, o que indica um estágio avançado da doença, podem apresentar um histórico de tosse crônica, dispnéia, taquipnéia, síncope, fadiga, intolerância a exercícios, mucosas pálidas ou ictéricas, hemoptise, perda de peso, anorexia, trombocitopenia, ascite e insuficiência cardíaca congestiva direita, levando o animal à morte.

A dirofilariose é uma enfermidade que pode ser evitada, apesar da alta suscetibilidade dos cães. Visto que não conseguimos determinar áreas livres de dirofilariose, todos os cães deveriam ser submetidos ao uso de quimioprofiláticos, que ainda são considerados a melhor opção de prevenir a dirofilariose.

Filhotes devem iniciar a utilização de quimioprofiláticos o mais cedo possível, de preferência antes da oitava semana. Após a oitava semana, cães que ficam ao ar livre e sem proteção em áreas com alta endemicidade, devem ser testados seis meses após a dose inicial, seguido por testes anuais. Antes de iniciar a prevenção em cães mais velhos (sete meses de idade ou mais), teste de antígeno e de microfilárias circulantes devem ser realizados. Esta conduta garante a detecção da infecção subclínica, evitando assim a dúvida da eficácia do programa de prevenção, particularmente quando a infecção pré-existente só se torna evidente após o início da terapêutica preventiva, em casos em que a quimioprofilaxia foi iniciada durante o período pré-patente.

Os fármacos destinados a prevenção da dirofilariose que são atualmente comercializados (ivermectina, milbemicina oxima, moxidectina e selamectina), pertencem a classe das lactonas macrocíclicas. Estas drogas são eficazes contra os estágios larvares L3 e L4.

As lactonas macrocíclicas, quando administradas de acordo com as instruções do fabricante são altamente eficazes e estão entre os medicamentos mais seguros utilizados na medicina veterinária. Para todos os fármacos a base de lactona macrocíclica que são administrados de forma oral ou tópica, recomenda-se o uso em doses com intervalos de 30 dias. Após esse período, a eficácia destes produtos contra L4 é reduzida ou incerta. Hoje, também temos a possibilidade de utilizarmos um preventivo anual, o ProHeart, cuja base é a moxidectina, o que facilita a adesão dos tutores e diminui as chances de esquecimentos e consequentemente a falha do preventivo.

É possível que um animal seja infectado por causa de ausência ou atraso na administração de uma única dose do produto, particularmente em áreas com alta endemicidade. Essas áreas normalmente apresentam altas temperaturas na maior parte do ano, uma abundância de água parada, e altas taxas de populações de mosquitos. Estas áreas endêmicas também têm grandes populações de cães infectados como reservatórios da infecção nestes locais.

O teste anual é de fundamental importância para assegurar que a profilaxia seja alcançada e mantida. Os testes de detecção de antígeno e microfilária podem ser utilizados 5 e 6 meses após infecção respectivamente.

O teste imunoenzimático (ELISA) e ensaios imunocromatográficos estão disponíveis para a detecção de antígenos circulantes.

O teste modificado de Knott continua sendo o melhor método para observar a morfologia e realizar a diferenciação de D. immitis de espécies de filarideos não patogênicos como Acanthocheilonema reconditum.

Métodos de exames adicionais são úteis para confirmar o diagnóstico e para avaliar a gravidade da doença, como radiografia torácica, ecocardiograma.

Tratar a infecção por dirofilariose em pacientes assintomáticos ou em pacientes que exibem sinais clínicos leves normalmente não causa maiores problemas se houver um controle das atividades físicas deste paciente.

Em pacientes que apresentam um grau de infecção moderado a grave o tratamento tem um nível de dificuldade maior.

No Brasil, o medicamento adulticida considerado de eleição não é mais comercializado, por isso recomenda-se um tratamento alternativo que consiste em associar a utilização de uma lactona macrociclíca e um antibiótico (em ciclos de 30 dias, de acordo com a necessidade) que seja eficaz em eliminar a Wolbachia, como a doxiciclina, e consequentemente o verme adulto.

O objetivo do tratamento da dirofilariose é melhorar a condição clínica do animal e eliminar os vermes com o mínimo de complicações possíveis, melhorando a qualidade de vida do animal.

Apesar de ser uma doença amplamente estudada, muitos tutores ainda não conhecem a fundo ou nunca ouviram falar da doença, por isso a importância do papel do médico veterinário em levar a informação ao tutor.

Diante de tudo isso que foi exposto, da falta de conhecimento, facilidade de disseminação da doença e a dificuldade de tratamento dos animais, recomenda-se sempre conscientizar os tutores de cães, em áreas endêmicas ou não, a respeito da doença e criar uma cultura de prevenção, só assim conseguiremos ter controle e uma redução eficaz da D. immitis.



Mariana Guedes

Escrito por Mariana Guedes

Médica Veterinária e Consultora de Demanda da Zoetis.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

American Heartworm Society. Disponível em: americanheartwormsociety.com . Acesso em: 15 julho. 2021

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