Guia para vacinação de cães no Brasil
Em 2017 a Federacion Iberoamericana de Asociaciones Veterinarias de Animales de Compañia (FIAVAC), criou o Comité Latino Americano de Vacunología en Animales de Compañía (COLAVAC) para criar documentos de consenso sobre vacinação de animais de companhia nos países da America Latina.
No Brasil a FIAVAC contou com o apoio da Associação Nacional dos Clínicos Veterinários de Animais de Companhia (ANCLIVEPA-BR) para reunir um grupo heterogêneo que pudesse representar os três pilares da definição da vacinação de animais de companhia no País. Professores com atividade em clínica médica de animais de companhia, clínicos em atividade em estabelecimentos médico veterinários para atendimento de cães e de gatos e representantes da indústria produtora de vacinas. Os acadêmicos e os clínicos foram elencados pela ANCLIVEPA-BR e pelo grupo da FIAVAC. Todas companhias que comercializam vacinas com qualidade internacional assegurada em território brasileiro foram convidadas a participar. Desde o início foi acordado que os guidelines da WSAVA e da AVMA deveriam ser seguidos e adequados à realidade brasileira.
A participação de representantes da indústria nas discussões foi fundamental para ouvirem as demandas dos veterinários que militam na ponta quanto à necessidade da disponibilização de produtos compostos apenas pelas vacinas essenciais (aquelas que todos os cães devem receber – core vaccines). A disponibilização dessas vacinas é dependente da demanda por parte da classe médico-veterinária e da compreensão da indústria quanto ao impacto positivo que a disponibilização desses produtos terá na qualidade de vida dos pets brasileiros.
Quando o grupo de trabalho chegou ao consenso o documento foi traduzido para inglês e apresentado ao comitê internacional de COLAVAC para revisão e aconselhamento. Depois foi publicado em português em revista de grande circulação entre clínicos veterinários de pequenos animais.
Resumo do Guia COLAVAC
- Vacinação é um ato médico;
- Médicos veterinários devem optar por vacinas considerando apenas a qualidade do produto;
- Todos os cães devem receber as vacinas essenciais;
- Vacinar cada cão com o mínimo de vacinas possível, que garanta sua imunização;
- Vacinas essenciais: raiva; cinomose; parvovirose; leptospirose; hepatite infecciosa canina (Quadro 1).
- Vacinas que não são essenciais devem ser aplicadas após avaliação da necessidade de sua utilização considerando o estilo de vida do animal e seu risco de exposição. O médico veterinário deve decidir sobre sua necessidade.
VACINAR O MAIOR NÚMERO DE CÃES POSSÍVEL
Vacinar cada gato com o menor número de antígenos possível
Dentre as vacinas não essenciais (complementares) as avaliações caso a caso devem considerar:
- A utilização das vacinas contra giardíase têm aplicabilidade prática quando vários animais são mantidos no mesmo espaço ou quando cães freqüentam espaços multi animais como, por exemplo, parques para cães, creches ou exposições. As vacinas não impedem infecções ou reinfecções, mas podem reduzir a eliminação de cistos, contribuindo para a redução da transmissão do protozoário. Assim, o controle da infecção deve incluir também medidas de higiene, como disponibilização de água filtrada, desinfecção do ambiente e remoção imediata de todas as fezes.
- Vacinas contra infecções respiratórias por CAV-2 (adenovírus respiratório), por parainfluenza (CPIV) ou Bordetella bronchiseptica não previnem completamente contra infecções ou eliminação de partículas virais. Entretanto, reduzem a gravidade da doença e devem ser aplicadas a cães expostos a situações e ambientes que congreguem muitos cães. Importante considerar que co-infecções levam a quadros clínicos mais graves.
- A vacina contra leishmaniose existente no Brasil é recombinante que utiliza a proteína A2 do protozoário e só deve ser utilizada em animais livres da infecção, mas expostos ao risco.
Quadro 1. Doenças contra as quais TODOS os cães devem ser vacinados
Doença (antígeno vacinal) |
Vacinação inicial |
Revacinação (reforços) |
||
< 16 sem |
> 16 sem |
|||
Cinomose (CDV) |
Vacina viva atenuada ou recombinante, parenteral |
Início entre 6-8 sem, com repetições a cada 3-4 sem. Última dose após 16 semanas |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Com 1 ano de idade, então a cada 2 anos |
Parvoviroses (CVP-2) |
Vacina viva atenuada, parenteral |
Início entre 6-8 sem, com repetições a cada 3-4 sem. Última dose após 16 semanas |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Com 1 ano de idade, então a cada 2 anos |
Hepatite infecciosa canina (CAV-2)* |
Vacina viva atenuada, parenteral |
Início entre 6-8 sem, com repetições a cada 3-4 sem. Última dose após 16 semanas |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Com 1 ano de idade, então a cada 2 anos |
Raiva |
Vacina morta, parenteral |
A partir de 12 sem. Dose única |
Dose única |
Com 1 ano de idade, então a cada 1-3 anos.** |
Leptospirose (Leptospira interrogans) |
Vacina morta, parenteral |
Início entre 10-12 sem, com repetições a cada 3-4 sem. Última dose após 16 semanas |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Com 1 ano de idade, então anualmente |
Sem - Semanas
* O adenovírus canino tipo 2 (CAV-2) (respiratório) confere proteção cruzada contra o adenovírus canino tipo 1, causador da hepatite infecciosa canina
** conforme legislação vigente
Quadro 2. Doenças contras as quais APENAS alguns cães devem ser vacinados
Doença (antígeno vacinal) |
Vacinação inicial |
Revacinação (reforços) |
||
< 16 sem |
> 16 sem |
|||
Adenovirose respiratória (CAV-2) |
Vacina viva atenuada, intranasal |
Início entre 6-8 sem. Dose única |
Dose única
|
Anualmente |
Parainfluenza (CPIV) |
Vacina viva atenuada, parenteral |
Início entre 6-8 sem, com repetições a cada 3-4 sem. Última dose após 16 sem |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Com 1 ano de idade, então a cada 2 anos |
Vacina viva atenuada, intranasal |
Início entre 6-8 sem. Dose única |
Dose única |
Anualmente |
|
Bordetelose (Bordetella bronchiseptica)
|
Vacina morta, parenteral |
Início entre 6-8 sem, com repetições a cada 3-4 sem. |
2 doses com intervalo de 3-4 sem |
Anualmente |
Vacina viva, intranasal |
Início entre 6-8 sem, dose única
|
Dose única
|
Anualmente |
|
Coronavirose (CCoV) – |
Vacinas vivas ou mortas, parenterais |
Não são recomendadas |
||
Giardíase (Giardia lamblia) |
Vacina morta, parenteral |
Início a partir de 8 sem, 2 doses com intervalo de 2-4 sem |
2 doses com intervalo de 2-4 sem |
Anualmente |
Leishmaniose visceral** (Leishmania sp) |
Vacina recombinante |
Início a partir de 16 sem, 3 doses com intervalo de 3 sem |
3 doses com intervalo de 3 sem |
Anualmente |
Sem - Semanas
** Apenas animais não infectados devem ser vacinados
Leituras recomendadas:
Day, MJ; Crawford, C; Marcondes, M; Squires, A. 2020. Recommendations on vaccination for Latin American small animal practitioners: a report of the WSAVA Vaccination Guidelines Group. Journal of Small Animal Practice. https://doi.org/10.1111/jsap.13125
Greene, CE. 2006. Infectious Diseases of the Dog and Cat, 1387pp. Ed.3. St. Louis: Elsevier Inc.
Labarthe N; Merlo A; Mendes-de-Almeida F; Costa R; Dias J; Autran de Morais H; Guerrero J. 2016. COLAVAC/FIAVAC – Estrategias para vacinação de animais de companhia: cães e gatos. Clínica Veterinária 21: 114-120.
Sykes JE. 2014. Canine and Feline Infectious Diseases, 915pp. St. Louis: Elsevier Inc.Professora aposentada da Universidade Federal Fluminense, é atualmente professora orientadora do programa de Pós Graduação Bioética, ética e Saúde Coletiva pela Escola Superior de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.