Cães, Gatos

O impacto da pandemia no comportamento e na saúde dos pets

A associação entre lobos e seres humanos ocorre há pelo menos 12.000 anos. Ambas as espécies se beneficiavam daquela associação inicial, a qual quase certamente girava em torno de habilidades em relação à caça de presas grandes. E poderia afirmar que os cães domesticaram os seres humanos, assim como os seres humanos domesticaram os cães. (1) Já a convivência entre gatos e seres humanos acontece há pelo menos 9.000 anos e foi relatada inicialmente na Babilônia e no Antigo Egito. (2) Apesar do contexto de aproximação entre os humanos e a espécie felina ser diferente da espécie canina e o tempo decorrido dessa aproximação seja mais significativo para os cães, os gatos também são animais muito queridos e amados. Ao longo da evolução da sociedade ambas as espécies passaram de funções de serviço e outras atribuições, para ocupar seu espaço como membros da família.

Durante o último ano, principalmente pela evolução da pandemia da COVID-19, vivemos momentos muitos diferentes do que estávamos acostumados na nossa rotina. Muitos foram os desafios enfrentados e grande parte da população buscou algum tipo de retorno à normalidade através do contato com um pet. Aproveitando-se das mudanças ainda incertas na disponibilidade de tempo e até mesmo no ambiente de trabalho, que passou a ser dentro de casa, vimos a adoção de cães e gatos subir para números nunca vistos no país.

ONG’s e protetores de animais evidenciaram uma demanda 50% maior na procura por um pet do que em períodos normais. Esse é um cenário bastante positivo, mas deve ser avaliado com cautela, visto que esses animais precisarão de cuidados não somente durante a pandemia. (3)

De acordo com a cinóloga e etóloga especialista em comportamento canino, Adriana de Oliveira, existem dois grupos de cães que chamam nossa atenção nesse novo cenário: o primeiro é o grupo dos que sofreram apenas uma mudança na sua rotina após o início da pandemia, principalmente com a maior disponibilidade de tempo dos seus tutores. O segundo grupo é o de cães adotados durante a pandemia, que já chegaram ao seu novo lar sendo condicionados a mais tempo de convivência em família e com mais concessões para atividades dentro de casa. (4) Os veterinários estão presenciando essa “nova normalidade” através do aumento da demanda em seus consultórios, proveniente desse redirecionamento de tempo e atenção.

A especialista traz o alerta de que muitos desses tutores não estariam preparados para entender e lidar com as necessidades de um animal de estimação se a rotina não tivesse passado por uma mudança tão significativa, e isso pode levar a um grande problema de abandono quando voltarmos à normalidade. (4)

Alguns dos problemas comportamentais que podem surgir e culminar em abandono, provém da privação de contato social com seus tutores, ou seja, a redução na disponibilidade de tempo com o pet interferindo diretamente nessas mudanças de comportamento. O cão precisa entender e antecipar o que acontece à sua volta, quando não consegue fazê-lo os distúrbios de ansiedade começam a aparecer. O assunto é tão sério que alguns cães podem se tornar agressivos e até mesmo adoecer fisiologicamente. (4)

Outro fator que pode contribuir para a mudança de comportamento do pet, tanto de cães quanto de gatos é, além da privação da companhia de seus tutores, o baixo enriquecimento ambiental do local em que os animais serão deixados sozinhos. Além disso, os animais podem ser mantidos em ambientes pequenos ou fechados, ficando restritos de eventos ambientais necessários para manutenção da sua saúde.

As características do meio ambiente que levam a um alto grau de bem estar dos gatos incluem plataformas para escaladas, que possibilitam sua estadia em lugares mais altos e materiais ou brinquedos que estimulem o comportamento de arranhar. Os gatos demonstram mudanças muito significativas de comportamento quando são mantidos presos em locais restritos (como gaiolas e caixas de transporte) por longos períodos. (5 e 6)

Uma necessidade importante dos gatos domesticados a ser suprida é a possibilidade de se esconder de seres humanos e de outros gatos. (7)

A adoção de um novo animal para fazer companhia ao pet que está sozinho e apresentando problemas de comportamento às vezes é considerada uma opção. (8) Entretanto, essa escolha precisa ter um bom suporte para a socialização desses animais, para que o problema não se torne ainda maior. Uma sugestão ao considerar aumentar a quantidade de pets em casa é consultar um colega especialista em comportamento animal antes de qualquer decisão.

É muito importante que o clínico seja o protagonista na batalha contra o abandono gerado pela desinformação e despreparo desses tutores. Orientá-los sobre o assunto em questão, assim como suas implicações, faz parte do escopo de um trabalho clínico bem feito.



Escrito por: Mayra Carmen Lini Rafael

Consultora de Demanda da Zoetis

Mayra Carmen Lini Rafael

  1. Broom, D.M. (2006a) Adaptation. Berliner und Munchener Tierarztliche Wochenschrift 119, 1-6.
  2. Vigne, J.-D., Guilaine, J., Debue, K., Haye, L., and Gerard, P. (2004) Early taming of the cat in Cyprus. Science 304, 259.
  3. Couto, A. Número de adoção de cães e gatos aumenta durante pandemia em Guarapari. Folha Vitória, 2020. Disponível em: <https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/06/2020/numero-de-adocao-de-caes-e-gatos-aumenta-durante-pandemia-em-guarapari>. Acesso em 10 de maio de 2021.
  4. Al, Adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD. Disponível em https://caesegatos.com.br/especialista-em-comportamento-canino-fala-sobre-impacto-da-pandemia-nos-caes/. Acesso em 10 de maio de 2021.
  5. Rochlitz, I.R. (ed.) (2005a) The Walfare of Cats. Springer, Berlin.
  6. Rochlitz, I.R. (2005b) A review of the housing requirements of domestic cats Felis Sylvestris cattus kept in the home. Applied Animal Behaviour Science 93, 97-109.
  7. Carlstead, K., Brown, J.L and Strawn, W. (1993) Behavioral and physiological correlates of stress in laboratory cats. Applied Animal Behavior Science 38, 143-158.
  8. Broom, D.M., Comportamento e bem estar de animais domésticos/ D.M. Broom, A.F. Fraser; tradução Carla Forte Maiolino Molento. –4. Ed.—Barueri, SP: Manole, 2010. p. 319.