Gatos, Imunização

Novo coronavírus Sars-CoV-2 e o gato.

O novo coronavírus denominado SARS-CoV-2 (Coronavírus 2 – Síndrome Respiratória Aguda Grave, do inglês “Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavírus 2”) foi identificado inicialmente em dezembro de 2019 em surto de pneumonia em pacientes humanos na cidade de Wuhan na China. A doença desencadeada por este novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi denominada de COVID-19, abreviação de “Coronavirus Disease 2019”. Desde então, tem se espalhado pelo mundo por meio de pessoas que viajaram para a China e vários países da Europa. A transmissão pessoa a pessoa ocorre internamente em cada país, como no Brasil também.

Os coronavírus pertencem à família Coronaviridae, são envelopados e têm seu material genético na forma de RNA fita simples. Com poucas exceções, são vírus espécie-específicos. Esta grande família de vírus é subdividida em gêneros alfa, beta, gama e delta. Os coronavírus gêneros alfa e beta infectam mamíferos, enquanto os coronavírus incluídos em gama e delta infectam pássaros e peixes. É importante ressaltar que o mutante do coronavírus entérico felino que causa a Peritonite Infecciosa Felina, assim como o coronavírus canino que desencadeia diarreia discreta, são ambos do gênero alfa coronavírus. Portanto, não infectam o homem. O SARS-CoV-2, como também o SARS-CoV (identificado em 2002/2003) e o MERS-CoV (Coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio, identificado em 2012) são classificados como beta coronavírus. Todos eles tiveram origem em morcegos. O SARS-CoV-2 originou-se de morcegos comercializados para consumo em mercados de venda de animais silvestres na cidade chinesa de Wuhan. Desde o surto da SARS, descobriu-se que existe uma grande diversidade de coronavírus (mais de 50) relacionados à SARS em morcegos.

Atualmente existe limitada evidência de que os gatos e outros animais de companhia possam ser infectados pelo SARS-CoV-2. E adicionalmente, nenhuma evidência que os gatos possam ser fonte de infecção ao homem e aos outros animais. O papel do gato e do cão seria de vetor mecânico (carreadores), como outros objetos inanimados no ambiente doméstico (fômites). Seu pelame pode ser contaminado pela mão, gotículas da tosse ou espirro de uma pessoa infectada ou doente pela COVID-19.

As várias espécies de coronavírus infectam seus hospedeiros por meio de diferentes moléculas receptoras. O receptor que o SARS-CoV utiliza para entrar em células humanas é denominado ECA-2 (Enzima Conversora de Angiotensina 2), enquanto o vírus da MERS utiliza dipeptidil peptidase-4 (DPP4). Muito provavelmente o vírus da SARS-CoV-2 deve utilizar o mesmo receptor celular para infecção do vírus SARS-CoV, afinal estes vírus possuem 85% de homologia. A diferença da capacidade de infecção entre os coronavírus e outro hospedeiro não habitual ao seu costumeiro, pode estar relacionada a estes receptores. Os gatos possuem alta semelhança ao receptor ECA-2, o que pode ser uma característica de maior susceptibilidade do gato ao SARS-CoV-2, mas isto ainda não foi determinado. O SARS-CoV é capaz de infectar gatos. No entanto, já foi analisado experimentalmente o perfil de receptores expressos em macrófagos peritoneais de gatos inoculados com o Vírus da Peritonite Infecciosa Felina (PIF). Foi observado que os receptores de ECA-2, DPP4, aminopeptidase N (APN) e mais outros dois receptores (L-SIGN, DC-SIGN) possuem baixíssima ou ausente expressão nos macrófagos destes gatos doentes com PIF experimental. Neste experimento, houve intensa expressão do receptor FcγRIIIA (CD16A/ADCC), o que suporta a internalização do vírus na forma de complexo antígeno-anticorpo. Ainda é necessário esclarecer no gato qual o receptor que o SARS-CoV-2 pode utilizar para a infecção no epitélio respiratório e digestório, como também em macrófagos.

Existe relato de um gato doente na Bélgica positivo para o SARS-CoV-2, mas não houve esclarecimento para um diagnóstico diferencial da condição clínica apresentada pelo gato. Da mesma forma, um tigre com sintomas respiratórios do zoológico de Nova Iorque testou positivo para o SARS-CoV-2. Em seguida, relatou-se outros felídeos silvestres (tigres e leões) com sintomatologia, mas sem serem testados. Provavelmente, estes felídeos foram infectados pelo tratador com COVID-19. Deve ser frisado que o gato e os felídeos silvestres tiveram contato com pessoas infectadas.

Um estudo chinês recentemente publicado na Science (J. Shi et al., Science DOI 10.1126/science.abb7015 2020) realizou inoculação experimental do SARS-CoV-2 em vários animais, dentre eles o gato. Foram inoculados poucos filhotes de gatos com uma carga altíssima do vírus e acompanhamento por poucos dias, o que não comprova a possibilidade destes animais se tornarem reservatórios. Os gatos infectados foram mantidos em contato com outros gatos não infectados. Recuperou-se material genético do vírus (RNA de SARS-CoV-2) dos contactantes, o que foi sugerido como evidência de que os gatos inoculados positivos para SARS-CoV-2 podem infectar outros gatos. Além dos gatos, outras espécies de animais foram inoculadas também como cães, porcos, galinhas, patos e furões. Eles encontraram pobre replicação do SARS-CoV-2 em cães, porcos, galinhas e patos, mas o mesmo alto perfil de replicação nos furões, assim como nos gatos. Muita cautela deve ser dada às conclusões deste artigo, porque, ele possui falhas graves em seu desenho experimental e no manejo dos animais, omissões quanto ao real estado de saúde dos gatos e a possibilidade de coinfecções como os retrovírus, e a forma inadequada de comprovação da infecção por RT-PCR e exame histopatológico, quando o mais adequado deveria ser o cultivo viral e o exame imuno-histoquímica. Desta forma, não há evidências científicas, em condições naturais, de que os gatos são suscetíveis ao SARS-CoV-2 e consequentemente, fonte de infecção ao homem.

Alguns laboratórios veterinários estão disponibilizando teste de RT-PCR quantitativo para a detecção do SARS-CoV-2 no Brasil. No presente momento, como não há evidências de que o gato ou outro animal de estimação se infecte, adoeça e transmita o agente, a realização destes testes apenas traria confusão e poderia influenciar medidas como o abandono ou eutanásia desnecessária de gatos ou outros animais. Sendo assim, não existe embasamento científico para se indicar a testagem de gatos ou outros animais de estimação. Deve-se frisar para mantermos os cuidados de saúde dos gatos em dia, estimulando a posse responsável e evitar que tenham acesso à rua. Ao proprietário, deve ser enfatizado para manter os cuidados de higiene pessoal (lavar as mãos, uso de máscara facial e álcool em gel) e higiene do domicílio (utensílios domésticos, embalagens de alimento, maçanetas de portas, corrimões, superfícies lisas de móveis, etc.). Roupas e sapatos, principalmente a sola de sapatos, devem ser retirados ao regressar da rua e higienizados. Já se descreveu que o coronavírus pode ser carreado pela sola do sapato e contaminar o ambiente doméstico facilmente.

Ainda é demasiado cedo para se afirmar quando haverá uma vacina disponível para a prevenção da COVID-19 no homem. As vacinas atenuadas intranasais de coronavírus mutante termossensível, indisponíveis no Brasil, para a prevenção da PIF em gatos não são indicadas na prevenção para a COVID-19 tanto no homem quanto no gato. Estas vacinas possuem evidências insuficientes de proteção clínica nos gatos contra a PIF. Na mesma linha de raciocínio, as vacinas parenterais com cepas inativadas de coronavírus entérico canino, indicadas para cães, devem ser utilizadas apenas nesta espécie. Estas vacinas para cães não induzem proteção no homem contra o COVID-19, nem possuem alguma influência na prevenção do COVID-19 em cães.

Recomenda-se que pessoas com suspeita ou confirmadas para COVID-19 permaneçam isoladas do contato com seus gatos ou outros animais de estimação da mesma forma que essa pessoa infectada deve ser isolada do convívio de outros membros da família. Os cuidados com os animais de estimação da casa, deverá estar sob a responsabilidade de outra pessoa não infectada, durante o período de quarentena do parente doente. Se a pessoa doente for a única do domicílio, deve lavar as mãos antes e depois de interagir com os animais e usar máscara facial. O doente de COVID-19 deve evitar acariciar, aconchegar, ser lambido e compartilhar alimentos com os animais de estimação para não contaminar o pelame destes animais que poderiam funcionar como um vetor mecânico (carreador).

Neste momento em que os conhecimentos avançam diariamente, é importante orientar os proprietários com informações e fontes seguras. O profissional veterinário, como agente de saúde pública, tem demasiada importância no auxílio à classe médica na disseminação de práticas seguras quanto à posse responsável de animais e de medidas higiênico-sanitárias para que se evite o abandono e eutanásias desnecessários de animais, e menor impacto da disseminação do coronavírus na população.

Aproveite o momento e assista o vídeo que preparamos para com algumas sugestões de medidas para te ajudar a minimizar a transmissão do vírus nas clínicas veterinárias Clique aqui para assistir.

Doutor Marcelo Zanutto


Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo em 1995. Programa de Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais junto ao Hospital Veterinário da FMVZ-USP. Mestre e Doutor em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP. 

Fez parte do Quadro Docente, no cargo de Professor Adjunto Doutor do Departamento de Patalogia e Clínicas da Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia de 2002 até 2006.

Faz parte do Quadro Docente, no cargo de Professor Associado Doutor do Departamento de Clínicas Veterinárias (DCV) do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Atenção: O conteúdo deste site é destinado exclusivamente a médicos-veterinários, profissionais qualificados para avaliar e atestar a saúde de cães e gatos durante o processo de imunização. Se você não é um médico-veterinário, procure as informações com o profissional de sua confiança.

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