Gatos, Imunização

Como melhorar o estresse do felino que precisa de cuidados: vacinas prevenindo doenças

O estresse é um termo que descreve a interação entre os seres vivos e o ambiente que os cerca. Qualquer evento que ameace a zona de conforto dos animais  pode afetar seu bem-estar. Dentre esses eventos há os próprios (doenças) e os externos (ambiente físico) que funcionam como gatilho para que os animais tenham dificuldade de adaptação ao evento. Quando não conseguem se adaptar podem  manifestar mudanças comportamentais ou se tornarem suscetíveis a infecções. A exposição a estímulos fortemente aversivos ou que causem medo pode gerar mudanças e associações neuroquímicas que desencadearão respostas igualmente “medrosas” por muito tempo. Quanto mais extrema for essa resposta, maior será a probabilidade dos gatos se tornarem medrosos e pouco tolerantes ao estresse no futuro.

Dentre os principais eventos desagradáveis que podem ocasionar estresse e gerar frustração nos gatos, podemos citar: i) hospitalização e outras variações no ambiente; ii) confinamento forçado; iii) aglomeração; iv) mudanças na rotina; v) contenção; vi) exposição a sons de alta frequência e; vi) injúrias. Portanto, ao se identificar e compreender o que pode ser um evento desagradável e prejudicial aos gatos, temos a oportunidade de intervir precocemente ou até mesmo evitá-lo. Por outro lado, sabemos que é impossível uma existência sem eventos desagradáveis, até mesmo porque é necessário algum nível de estresse ou estímulo que os tire da zona de conforto ocorra para que haja o desenvolvimento de respostas neuroendócrinas e comportamentais mais flexíveis.

Alguns gatos são extremamente sensíveis ao local onde vivem e podem responder muito mal aos eventos desagradáveis ao se sentirem desconfortáveis, inseguros ou com medo. Os mais suscetíveis podem desenvolver problemas graves de saúde, envolvendo também alterações de comportamento. Humanos têm dificuldade para identificar os sinais de estresse nos animais uma vez que tendem a imaginar que eles reagiriam como nós mesmos. Essa dificuldade da maioria dos tutores acaba por intensificar erros, iniciando um ciclo vicioso que gera conflitos e equívocos de interpretação, avaliação, identificação e mais estresse. Os tutores costumam dizer: “O meu gato tem uma vida tranquila, come e dorme o dia inteiro. Não parece de jeito nenhum estressado”. Portanto, nossa responsabilidade é educá-los sobre comportamento felino, a fim de identificar os sinais clínicos que podem indicar problemas secundários ao estresse e, principalmente, orientá-los sobre as formas de evitar e prevenir os estímulos desagradáveis.  

A resposta clínica ao estresse é muito ampla e os sinais são variados, pois o excesso de cortisol afeta vários sistemas corporais ao mesmo tempo. Gatos estressados podem apresentar uma gama de sinais inibitórios ou excitatórios, como por exemplo, imunossupressão, apatia, convulsões, anorexia, excitação, despigmentação repentina da pelagem, vômitos, diarreia, aversão a locais anteriormente familiares, catatonia, mudanças de paladar, febre, perda de pelos, falta ou excesso de grooming, obesidade, problemas de eliminação ou ainda sinais de medo, timidez e agressividade.

O estresse produz uma intensa estimulação do sistema simpático, que por sua vez, estimula o sistema endócrino, principalmente o eixo hipotálamo-hipófise-adrenais. Vale lembrar que o sistema simpático sofre mudanças com o avanço da idade e, portanto, gatos idosos podem apresentar declínio psicológico e fisiológico, assim como maior dificuldade de adaptação aos eventos desagradáveis. Às vezes até mesmo a atenção excessiva por parte dos tutores pode resultar em estresse e imunossupressão. Sob condições de estresse prolongado, a resistência a doenças diminui, favorecendo infecções. O aumento da produção de cortisol e esteroides compromete a resposta imunológica e predispõe a doenças, inclusive às infecções evitáveis pela vacinação.

Sempre que possível devemos prevenir os animais de adquirirem doenças, pois um animal doente apresenta menor resistência ao estresse. Sem contar que a hospitalização é uma experiência extremamente desagradável aos gatos. Além de já estarem fisicamente debilitados, são expostos a um local estranho, nada aconchegante, repleto de odores, barulhos, pessoas e outros animais. Toda essa situação adversa contribui ainda mais para agravar o estado de saúde do animal. Assim, a utilização das vacinas é uma forma de prevenir doenças e visitas à clínica para tratamento. Entretanto, devemos lembrar que um gato estressado, imunossuprimido, também não responderá de forma adequada à vacinação. É importante vacinar os gatos somente quando os benefícios compensarem os potenciais riscos, levando-se em consideração ainda o risco de exposição aos agentes infecciosos, o estilo de vida do gato, a idade, e, principalmente, suas condições de saúde.

As vacinas infectantes consideradas essenciais aos gatos são aquelas que protegem contra a rinotraqueíte (FHV-1), panleucopenia (FPV) e calicivirose (FCV). A vacina contra as doenças respiratórias dos gatos não confere uma proteção duradoura ou sólida, porém os animais vacinados tendem a manifestar sinais clínicos (quando presentes) brandos. É preciso lembrar que gatos com infecções do trato respiratório superior, além dos sinais respiratórios, também podem apresentar diarreia secundária associada à ingestão de muco; sinais que podem levar o animal à hospitalização, comprometendo ainda mais seu bem-estar. Os gatos que responderam à vacinação com vacinas infectantes contra o FPV mantêm uma sólida memória imunológica por vários anos na ausência de revacinações. Já a imunidade contra o FCV e o FHV-1 costuma ser parcial.

Apesar da vacina contra Chlamydia felis não ser essencial, pois a  imunidade induzida por essa vacina tem curta duração e a proteção é incompleta, seu uso deve ser considerado para gatos de localidades sabidamente enzoóticas ou que vivam em aglomeração. Já a vacinação contra a Leucemia Viral Felina (FeLV) é considerada como essencial somente para os filhotes, pois gatos com menos de 1 ano de idade são os que apresentam maior risco de infecção e, portanto, devem ser protegidos. Após 1 ano de idade, caso o animal seja mantido sem acesso às ruas e não haja contato com gatos infectados, a recomendação é que não se revacine esse animal contra FeLV. A avaliação de "risco-benefício" deve sempre ser levada em consideração e somente gatos não infectados pelo  FeLV (antígenos negativo) deverão ser vacinados. A vacina antirrábica deve ser administrada aos 4 meses de idade e os reforços anuais, de acordo com as exigências legais locais. Sempre que possível deve-se optar pelo uso de vacinas infectantes nos gatos, pois os adjuvantes presentes nas vacinas não infectantes podem favorecer o desenvolvimento de “sarcoma de local de injeção felino – Feline injection-site-sarcoma - FISS” em gatos geneticamente pré-dispostos, embora a presença dos adjuvantes não seja considerado o único fator de risco envolvido na formação de FISS.

Assim, a utilização das vacinas como forma de prevenir doenças e consequentemente, visitas à clínica e hospitalização, é uma prática indicada. Além disso, também devemos adaptar o ambiente hospitalar em um local que seja mais agradável e menos estressante aos gatos. A adoção de algumas práticas simples como, separar os cães dos gatos na área da recepção, reservar um ambulatório somente para o atendimento dos gatos e utilizar difusores com feromônio sintético felino, já amenizará bastante o inevitável estresse. Por outro lado, se o problema for o ambiente em que o gato vive e não for possível mudar ou adaptar esse local, podemos pensar em maneiras de tornar esse ambiente mais seguro “emocionalmente” para o gato. Às vezes, a simples introdução de uma caixa de papelão que simule um abrigo que ofereça além de segurança, privacidade; pode ser o suficiente para diminuir o estresse do animal. São várias as estratégias de enriquecimento ambiental que podem ser aplicadas para tornar o ambiente menos estressante e mais agradável aos gatos. Assim, enriquecer o ambiente, promover uma rotina saudável e realizar protocolos individualizados de vacinação, são algumas medidas preventivas que evitarão problemas de comportamento e, consequentemente, de saúde.

Referências

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Flavya Almeida

Flavya Almeida

Médica Veterinária formada pela UFF.

Mestrado em Medicina Veterinária pela UFF.

Doutorado em Ciências Veterinárias pela UFRRJ.

Professora de Clínica Médica de cães e gatos da UFF.