Cães, Gatos, Imunização

Vacinação nos pacientes com dermatopatias crônicas

Médico-veterinário acompanhado por um cão e um gato

Não raro nos deparamos com pacientes portadores de doenças crônicas que trazem manifestações dermatógicas. Inúmeras são as possibilidades diagnósticas e é comum que para o melhor controle desses quadros os animais necessitem de terapia imunomoduladoras e até imunossupressoras por longos períodos.


Tais doenças podem ocorrer em qualquer idade, apesar de ser mais comuns nos adultos a idosos, cita-se a celulite juvenil como exemplo de distúrbio imunológico crônico que afeta filhotes em fase de protocolo vacinal. É uma doença sistêmica, comumente associada a fase inicial do programa de imunização do animal e que muitos autores citam a resposta vacinal como possível  gatilho para o desencadeamento da doença. Faz parte das principais manifestações clínicas  a  febre, acompanhada de linfadenomegalia generalizada e nos quadros clássicos as lesões tegumentares. Há maior acometimento da face, envolve as pálpebras, região peri oral e pavilhões auriculares, que apresentam edema, eritema e ulcerações. Gera dor, debilidade e a terapia é feita com imunossupressores. Uma vez que o quadro é grave, não resta dúvida da necessidade do uso dessas medicações. Contudo, estamos falando de filhotes e em fase de montar resposta imune frente as doenças virais rotineiras. Fica sempre a pergunta, devemos ou não retomar os programas de vacinação para tais pacientes? É importante relatar que ao ter a doença controlada, as medicações são reduzidas e por vezes removidas completamente sem que a recidiva das manifestações clínicas ocorram. Mas e então, na fase em que já não há mais necessidade de imunomoduladores, devemos retomar o programa de imunização? Qual seria o maior risco, vacinar ou deixa-lo suscetível as principais doenças virais do cotidiano dos cães?


A resposta para essas perguntas talvez esteja no desafio individual que cada animal é submetido, perguntas como: Qual a frequência de passeios e a real necessidade deles? Há a participação  em eventos com aglomerações de cães? É um animal que participa de day care ? Todos esses pontos devem ser levados em consideração. Vale ainda ressaltar que vivemos em um pais onde infelizmente a raiva não é erradicada e por isso, ao desistir da imunização podemos expor o animal e o seu tutor ao risco de se infectar e adoecer com uma doença fatal em praticamente 100% dos casos humanos e em 100% dos casos em animais. E o que dizer da cinomose ou mesmo da parvovirose que não são zoonoses, mas que fazem quadros graves, frequentemente fatais ou associadas a sequelas como convulsão, paralisia, paresia ou ainda mioclonias severas.


A recomendação sem dúvida é uma sincera conversa com o responsável pelo animal para se estabelecer uma decisão em comum, sabendo dos riscos e benefícios de cada passo. Analisar bem quem mais gera risco nesse momento é fundamental para a melhor escolha.


Ainda nas dermatopatias, ressalta-se aquelas doenças que são crônicas e que necessitam de medicações de uso continuado, sejam elas as doenças auto imune ou imunomediadas. Como exemplo das doenças auto imune, cita-se o pênfigo, com maior freqüência o foliáceo, o lupus, a dermatomiosite, as vasculites e ainda a dermatopatia isquêmica. Já dentre as imunomediadas, o mais frequente desses distúrbios tegumentares é a dermatite atópica. Todas essas doenças possuem em comum a necessidade de uso de drogas que suprimem a resposta imune exacerbada por parte do organismo.


Na escolha terapêutica das doenças auto imunes é comum o uso inicial da corticoterapia  e por vezes em doses ditas imunossupressoras para o controle das manifestações. O tempo necessário para a fase de controle é individual, mas depende ainda da potencia e da dose do esteroide escolhido. Após o controle das manifestações clínicas,  a troca da medicação por outros fármacos que são menos associados a efeitos colaterais, como a azatiorprina, a tetraciclina com niacinamida, o clorambucil, o micofenolato e a leflunomida é fortemente encorajada por parte dos Médicos Veterinários. Esses pacientes requerem uma vida “normal’, por vezes seguem com seus passeios cotidianos e participam de eventos com outros animais, em especial para sua interação social. Assim, sem duvidas, mesmo com uso das drogas que tem como objetivo reduzir a resposta imunológica, é fundamental a importância de se manter a imunização do paciente.


O Médico Veterinário tem sempre por objetivo a redução de dose, de freqüência ou mesmo a remoção de tais medicações prévio a imunização porém, nem sempre é possível, deste modo, recomenda-se manter o protocolo vacinal em tais pacientes e mais uma vez a escolha se baseia na avaliação do risco de se manter exposto a doenças que são comuns em todas as regiões do Brasil, como a cinomose, a parvovirose e até mesmo a raiva. Outro ponto importante nesses quadros é que mais comumente não se trata de filhotes em fase de primovacinação e por isso, a maior parte dos pacientes necessitam apenas de reforços vacinais  para manter os seus níveis de anticorpos protetivos efetivos na atuação frente ao desafio vivido. Outro fato considerável é que não há comprovação de que as vacinas feitas tenham papel no agravo do quadro clínico, de fato a preocupação se mantém na redução da eficácia da resposta vacinal.


Já nos quadros imunomediados, como na frequente dermatite atópica, doença que faz parte da rotina diária do dermatólogo e tem manifestação clínica associada a processo inflamatório severo. Há o envolvimento de numerosas citocinas que estão associadas a inflamação, coceira e favorecimento a disbiose, como a IL31, IL 4, IL5, IL6, TSLP. Para o adequado controle dessas citocinas, o uso rotineiro de medicações que vão suprimir a coceira e a inflamação é fundamental. Neste ponto, o advento de novas classes de drogas tem favorecido o tratamento a longo prazo que esses animais precisam, sem os efeitos colaterais rotineiros observados nas drogas com maior potencial imunossupressor, como os tão famosos esteroides.


Sem dúvidas, o uso do glicocorticoide ainda é regular nesses pacientes, mas preconiza-se a substituição o mais breve possível pelos novos fármacos pra um controle mais seguro e com objetivo de manter o animal com menor número de crises ao ano. Também ressalta-se que a tentativa inicial do controle sem o uso do glicocorticoide é uma medida adotada com regularidade e deve ser estimulada na prática clínica, em especial sem uso de tais drogas por via sistêmica. Sabe-se ainda que em algumas áreas do atópico é importante o uso da terapia tópica com glicocorticoide, a exemplo das lesões em orelhas e patas que comumente possuem baixa resposta apenas com terapia sistêmica. Mas e a imunização desses animais? Sabe-se que os esteroides possuem potencial de suprimir a resposta imune, contudo, preconiza-se o uso regular do esquema de imunização, eles devem ser submetidos aos protocolos mesmo que estejam em uso continuado de esteroides, tanto por via tópica como sistêmica.


A ciclosporina é outra classe de fármacos amplamente usada no controle do atópico, seu uso prolongado tem sido feito com segurança e eficácia, entretanto, no quesito vacinação, é uma prática regular por parte dos dermatólogos a orientação da manutenção do protocolo vacinal escolhido para o paciente, sem a interrupção da terapia. Contudo, no Brasil é recém chegado uma ciclosporina da industria veterinária e em sua bula preconiza-se o intervalo sem administração do fármaco por duas semanas entre os protocolos vacinais.


Com o advento do Apoquel (Oclacitinib), droga que chegou ao Brasil nos recém completos 04 anos é possível tratar por períodos prolongados pacientes com dermatite atópica, de forma segura. E nestes casos, o uso prolongado nas doses preconizadas que são 0,4 a 0,6 mg/kg uma vez ao dia não tem sido associada a redução da resposta imune e desta forma não há contra indicação de se realizar a manutenção dos protocolos vacinais mesmo em uso da medicação por longos períodos.


Ainda com o objetivo de controlar o desafiador, contínuo e intenso prurido do atópico, existe a indicação do uso dos anticorpos monoclonais, o Cytopoint (Lokivetmab) que trata-se de uma terapia alvo, atua por se ligar na IL 31, uma citocina que é bastante frequente nos quadros pruriginosos. Por ser um imunobiológico indicado para uso continuado, também é frequente que o paciente em tratamento precise regularizar o esquema de imunoprofilaxia e ressalta-se que não há contra indicação para tanto. A única preconização nestes casos é evitar que sejam aplicadas a vacina e o imunobiológico no mesmo dia.


A imunização baseada em evidencias continua sendo um ato de cuidado, atenção e carinho. Proteja seu amor de 4 patas sempre!


Médico-veterinário segurando um cão


Romeika Reis

Formada em Medicina veterinária pela UFERSA em 2001

Mestrado na UFRRJ em 2003

Professora de Dermatologia da pós Graduação da Equalis nos cursos de Dermatologia e Clínica Médica