Cães, Gatos, Imunização

A proteção dos animais de companhia depende de nós

Tutora brincando com cão

Sabemos que na América Latina duas das cinco piores ameaças de zoonose às quais cães ou gatos são susceptíveis podem ser evitadas pela utilização de vacinas essenciais (aquelas que todos os animais devem receber regularmente) – raiva e leptospirose. Os vetores dos agentes etiológicos de ambas as infecções são sinatrópicos e distribuídos em todo o nosso território. Manter animais em andares altos ou sob o controle de coleiras e guias durante breves passeios não evita o contato com morcegos e nem com urina de ratos.

Algumas mudanças referentes à população canina foram observadas na cidade do Rio de Janeiro durante os últimos 10 anos. A partir de 2011 o perfil racial dos cães que frequentam os espaços de lazer das áreas abastadas da cidade do Rio de Janeiro mudou de maioria de raças puras para equilíbrio entre vira-latas e animais de raça.  Em janeiro daquele ano uma tromba d´água destruiu boa parte da região serrana do estado. Cidades, áreas rurais e reservas naturais foram duramente atingidas. Houve perdas de vidas em números assustadores e destruição de proporções até então inimagináveis.

Segundo a protetora Bebete (Sociedade Grupo Estimação) naquela época, em Teresópolis, foram regatados 2000 cães aproximadamente. Bebete ressalta que apesar de muitos resgates terem sido realizados em áreas menos favorecidas, a tragédia não poupou os condomínios de luxo. Sabemos que não foi só de lá que saíram animais que tiveram a sorte de serem adotados, mas só de lá foram adotados aproximadamente 800. Em decorrência do desastre em Nova Orleans, EUA (furacão Katrina), não foi diferente e aproximadamente 3.247 animais foram adotados em diferentes estados daquele país. Esses são exemplos de dispersão de animais em massa, que poderiam representar perigo para eles mesmos e para os animais das áreas que os receberam.

A compaixão que transborda nesses tempos difíceis demanda também lógica, pensamento crítico e cuidados baseados na ciência. Todos os cães de Teresópolis assim como os de Nova Orleans foram vacinados antes de serem adotados. A mudança nas raças de cães observada nos espaços de lazer das áreas abastadas da cidade do Rio de Janeiro simboliza um sentimento de afeto por animais sem raça definida, mudando o conceito ou preconceito de pessoas que só se interessavam por animais de raça e, mais que isso, confirmou a importância da vacinação eficaz. Não houve relatos de aumento na frequência de doenças infecciosas nos locais para onde os animais foram levados, seja pela imunidade prévia da população local, seja pela vacinação dos cães adotados ou pelas duas possibilidades. Esses fatos demonstram de forma inequívoca que a mobilidade dos animais de companhia, seja em grande número ou esporádica, coloca os médicos veterinários em destaque. Aumenta nossa responsabilidade social e nos provoca a ver a prevenção como indispensável.

A ferramenta que evita o maior número de infecções é a vacinação. Seja em animais re-alocados, nos abandonados, nos ferais ou nos pets bem cuidados. Assim, frente aos riscos que não são poucos e crescem continuadamente seja por viagens, seja por re-alocação de animais órfãos ou abandonados, seja pela destruição de habitats naturais que aproxima animais selvagens dos centros urbanos, a maior aliada da saúde única é a prevenção que tem na vacinação sua maior representante.

Apesar disso, vacinamos poucos animais. Nosso objetivo deve ser o de vacinar o maior número de animais que possamos, é o que dizem todos os guidelines. A população brasileira de cães e gatos é tida como uma das maiores do mundo, ficando atrás de EUA e China. Segundo o IBGE, em 2018 eram aproximadamente 140 milhões de cães e gatos no País. Chama atenção também que há um crescimento anual de 5%. Sabemos que muitos animais são vacinados em campanhas gratuitas, que outros tantos vivem em condições adversas, mas não há desculpa para não vacinarmos um número maior de animais. Todos os estudos sugerem que vacinar o maior número de animais possível é dever da nossa classe, então devemos nos dedicar seriamente a incrementar a vacinação. Entretanto, as estatísticas mostram que vacinamos menos 17% dos milhões de animais brasileiros. Precisamos mudar o cenário e abraçar o lema “vacinar o maior número de animais com as vacinas essenciais”.



Norma Labarthe

Norma Labarthe, CRMVRJ – 1394, formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense, fez Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutorado no Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz.
Professora aposentada da Universidade Federal Fluminense, é atualmente professora orientadora do programa de Pós Graduação Bioética, ética e Saúde Coletiva pela Escola Superior de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.