Gatos, Imunização

Protocolos de vacinação para gatos mantidos em abrigos

Os graus de associação entre humanos e gatos são variáveis. Observa-se como sendo livres os que vivem sem depender diretamente das pessoas. Já os gatos semiconfinados são aqueles mantidos por tutores com acesso livre às ruas e os gatos confinados, por sua vez, são aqueles mantidos exclusivamente dentro das residências. Dentre os gatos confinados, temos aqueles que muitas vezes são mantidos em abrigos, em aglomeração, com espaço insuficiente e, na maioria das vezes, higiene inadequada, predispondo à manutenção, circulação e transmissão de agentes infecciosos.

Um abrigo de animais, por definição, é um local onde os animais são mantidos enquanto aguardam adoção, resgate ou recuperação pelos tutores. Entretanto, no Brasil, a maioria dos abrigos se caracteriza como um local de estadia permanente, com um número excessivo de animais de origem aleatória e com histórico de vacinação quase sempre desconhecido. De uma maneira geral, gatos mantidos em abrigos apresentam um alto risco de exposição a doenças infecciosas, pois nesses locais alguns fatores contribuem para que isso aconteça, como a alta taxa de rotatividade, estresse, presença de patógenos endêmicos e exposição prolongada aos agentes infecciosos.

O número de gatos admitidos em abrigos supera a capacidade dos abrigos para fornecer o melhor atendimento e garantir o bem-estar individual. A Association of Shelter Veterinarians (ASV) recomenda que a proteção da saúde e bem-estar dos gatos seja implementada por meio de utilização de vacinas, nutrição e habitação adequadas, tratamento antiparasitário e de doenças, além da prática de enriquecimento ambiental e cuidados comportamentais. A ASV recomenda ainda que os gatos elegíveis para adoção ou realocação tenham testado negativo para Leucemia Viral Felina (FeLV) e para o Vírus da Imunodeficiência Felina (FIV). No entanto, em muitas situações, os recursos financeiros limitados dos abrigos não permitem que os testes de rotina de todos os animais sejam realizados antes da adoção. O alojamento em grupo de gatos não testados deve ser rigorosamente evitado.

A vacinação para gatos mantidos em abrigos é um desafio e deve limitar-se às doenças que poderão ser transmitidas dentro do próprio abrigo. Dentre essas doenças, sem dúvida, as infecções de trato respiratório superior e a panleucopenia (FPV), são as mais preocupantes. A American Association of Feline Practitioners (AAFP) recomenda que a administração das vacinas essenciais sejam realizadas entre 4 e 6 semanas de idade com intervalos de 15 a 21 dias. O início imediato da proteção é crítico para os gatos mantidos em aglomeração; portanto, a administração de vacinas contra panleucopenia (FPV), herpesvirus (FHV-1) e calicivirus (FCV) deve ser administrada a todos os gatos antes de ingressarem no abrigo e, periodicamente para aqueles que já são mantidos no local (Tabela).

O benefício da vacinação de rotina contra Chlamydia felis é limitado, pois C. felis não é comumente isolada de gatos mantidos nos abrigos e com sinais de infecção respiratória do trato superior. Essa vacina deve ser considerada apenas quando houver confirmação laboratorial que o agente circula na população. Gatos que ingressaram em abrigos nos Estados Unidos da América (EUA) eram soropositivos para os principais agentes de doenças infecciosas evitáveis por vacina, tais como FPV (60,2%), FCV (63,4%) e FHV-1 (89%) (DiGangi et al., 2012). O Grupo de Diretrizes de Vacinação (VGG) da World Small Animal Veterinary Association - WSAVA (2016) recomenda que todo gato adulto ao ser introduzido em um abrigo sem histórico vacinal conhecido, receba uma dose de vacina contra FCV e FHV-1, para que haja o aumento da imunidade contra esses agentes infecciosos no local.

Já as infecções por FeLV e FIV diferem de outras doenças infecciosas de importância nos abrigos de gatos, como FPV, FHV-1, FCV e coronavírus felino (FCoV), porque os retrovírus são facilmente inativados com desinfecção de rotina e não são disseminados via aerossóis. Devido ao baixo risco de transmissão, o teste para FeLV e para FIV é opcional para gatos alojados individualmente, e a vacinação contra FeLV não é recomendada. Por outro lado, nas instalações em que os gatos são alojados em grupos, os testes para retrovírus são essenciais antes dos gatos ingressarem no abrigo. Aqueles animais que testarem positivo só poderão ser alojados isoladamente ou em grupos de animais que tiverem testado positivo para o mesmo retrovírus. Dessa maneira, seria necessário manter um recinto para animais infectados por FeLV, outro para animais infectados por FIV e outro para animais infectados por ambos os retrovírus. Para aqueles gatos mantidos em abrigos por longos períodos de tempo ou em santuários, recomenda-se o teste de FeLV e FIV e a vacinação contra FeLV naqueles que testarem negativo (Tabela).

De uma maneira geral, as estratégias de vacinação para gatos mantidos em abrigos não são únicas e, sim, direcionadas para as necessidades dos locais. Diferem dos protocolos vacinais recomendados para gatos domésticos mantidos individualmente ou em pequenos grupos, cujo risco versus benefício e o grau de exposição aos agentes infecciosos são avaliados “caso a caso”. Assim, a probabilidade de exposição e as consequências desastrosas de uma possível infecção requerem a implementação de um programa de vacinação para animais de abrigo claramente definido e estabelecido.

Referências

Day, MJ; Horzinek, MC; r. D. Schultz, RD; Squires, RA.  WSAVA - Guidelines for the vaccination of dogs and cats. Journal of Small Animal Practice, v.57, 2016.

DiGangi, BA; Levy, JK; Griffin B. et al. Prevalence of serum antibody titers against feline panleukopenia virus, feline herpesvirus 1, and feline calicivirus in cats entering a Florida animal shelter. Journal of the American Veterinary Medical Association 241, 1320-1325, 2012.

Little S, Levy J, Hartmann K, Hofmann-Lehmann R, Hosie M, Olah G et al. 2020 AAFP Feline Retrovirus Testing and Management Guidelines. J Feline Med Surg 2020; 22: 5–30. https//doi: 10.1177/1098612X19895940.

Scherk, MA; Ford, RB; Gaskell, RM; Hartmann, K; Hurley, KF; Lappin MR; Levy JK; Little, SE; Nordone SK; Sparkes, AH. 2013 AAFP Feline Vaccination Advisory Panel Report. Journal of Feline Medicine and Surgery 2013 15: 785 DOI: 10.1177/1098612X13500429.

Vacina

Protocolo inicial

Revacinação(filhotes)

Revacinação(adultos)

Comentários e recomendações

Panleucopenia (FPV) + Herpesvirus-1 (FHV-1) + Calicivirus (FCV)

Vacina infectante (viva modificada), parenteral

Administrar uma dose ao ingressar no local, se possível, uma semana antes da entrada no abrigo.

Início entre 4-6 semanas de idade. Revacinações a cada 2-3 semanas de intervalo, até completar 16-20 semanas de idade.

Revacinar com uma dose, 2-3 semanas após a vacinação realizada ao ingressar no abrigo.

Essencial e recomendada para todos os gatos; Vacina infectante (viva modificada) contra FPV não deve ser administrada em filhotes com menos de 4 semanas de vida

Raiva (vírus rábico) Vacina não infectante (morta), parenteral

Administrar uma dose ao ingressar no abrigo.

Dose única a partir de 12 semanas de idade.

Revacinar com uma dose, a cada 1-3 anos, conforme legislação vigente e bula dos produtos

Essencial

Leucemia viral felina (FeLV) Vacina não infectante (morta), parenteral

Administrar uma dose ao ingressar no abrigo**.

Início após 8 semanas de idade. Revacinação com uma dose após 2-3 semanas de intervalo.

Revacinar com uma dose, 3-4 semanas após a vacinação realizada ao ingressar no abrigo.

Apenas animais negativos devem ser vacinados.

*Adaptado de: Scherk, MA; Ford, RB; Gaskell, RM; Hartmann, K; Hurley, KF; Lappin MR; Levy JK; Little, SE; Nordone SK; Sparkes, AH. 2013 AAFP Feline Vaccination Advisory Panel Report. Journal of Feline Medicine and Surgery 2013 15: 785 DOI: 10.1177/1098612X13500429 FPV: parvovirus felino; FHV-1: herpesvirus felino tipo 1; FCV: calicivirus felino; FeLV: vírus da leucemia felina;
**Somente para aqueles gatos que serão mantidos em abrigos por longos períodos de tempo.

Flavya Almeida

Flavya Almeida

Médica Veterinária formada pela UFF.

Mestrado em Medicina Veterinária pela UFF.

Doutorado em Ciências Veterinárias pela UFRRJ.

Professora de Clínica Médica de cães e gatos da UFF.