Gatos, Imunização

Peritonite Infecciosa Felina

A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma afecção viral, infecciosa, imunomediada, multissistêmica e fatal. Possui uma patogenia complexa, desenvolvendo-se a partir do coronavírus felino (FCoV) com resposta imunológica indevida do vírus. Apenas uma minoria dos gatos infectados pelo FCoV desenvolve a doença letal conhecida como PIF.

Os coronavírus são caracterizados de acordo com a sua virulência, sendo denominado coronavírus entérico felino (FECV) aquele que causa doença branda associada à infecção entérica. Este, mediante situações imunológicas que favoreçam mutações virais, podem transformar-se no coronavírus da PIF, capaz de replicar-se em altos níveis nos macrófagos e podendo disseminar-se por todo o corpo e causar diversas lesões teciduais.

Transmissão e patogenia

O FECV dissemina-se por via fecal-oral, uma vez que o vírus é eliminado principalmente nas fezes e apenas uma pequena parcela por via aerógena. Ocorre eliminação fecal do vírus uma semana após a infecção, podendo persistir por semanas, meses ou até pelo resto da vida do indivíduo. A doença é mais comum em ambientes com muitos gatos, como gatis, acometendo principalmente filhotes com menos de 2 anos, que geralmente se infectam por volta da nona semana de vida. São considerados fatores de risco: idade (<2 anos e >10 anos), debilidade, doenças concomitantes e estresse.

A reposta imune é fundamental para a patogenia da doença e depende de fatores como susceptilidade genética, idade no momento da exposição ao vírus e número de agentes estressores concomitantes ao período de exposição. Enquanto uma adequada resposta imune celular pode impedir o desenvolvimento da doença, uma resposta imune celular fraca associada a uma vigorosa resposta de linfócitos B (humoral), aumenta a chance de PIF efusiva, enquanto uma resposta celular pouco adequada, aumenta a chance de PIF seca. Ocorrem reações de hipersensibilidade dos tipos II e III, levando a uma resposta humoral e consequente aumento de globulinas e proteína total plasmática, além de precipitação de imunecomplexos. Portanto, dependendo da reposta imune desencadeada, duas apresentações clínicas podem ser ocorrer:

  • Forma seca ou não efusiva (resposta Th1): ocorrem lesões piogranulomatosas focais, acometendo um ou mais sistemas orgânicos;
  • Forma úmida ou efusiva (resposta Th2): ocorre vasculite, serosite e disfunções sistêmicas.

Manifestações clínicas

O início da PIF pode ser agudo ou insidioso e pode haver uma combinação das formas efusiva e não efusiva. No geral, é possível observar principalmente filhotes de gatos com baixo peso e subdesenvolvimento quando comparados aos demais gatos saudáveis da ninhada. Pode-se, também, observar contínua perda de peso, febre intermitente não responsiva a antibióticos, inapetência, êmese e diarréia. À palpação pode-se observar linfadenopatia (principalmente mesentérica), alças intestinais espessadas e superfícies serosas irregulares de órgãos abdominais. Pode haver distensão abdominal importante não dolorosa e repleta de líquido (ascite). Se houver presença de efusão pleural, pode apresentar dispneia, taquipneia e mucosas cianóticas.

Na forma seca ou não efusiva, as manifestações clínicas dependem dos órgãos acometidos, podendo ocorrer isoladamente ou combinados. Podem ocorrer lesões granulomatosas oculares, levando a quadros como uveítes, alterações de retina, irite, pupila irregular. Podem ocorrer quadros neurológicos devido a vasculite intensa ou lesões piogranulomatosas no SNC. O acometimento abdominal pode causar granulomas em linfonodos mesentéricos, nos rins ou no fígado, assim como aderências por todo omento e mesentério. Esses gatos podem apresentar emagrecimento progressivo, disorexia, vômitos e icterícia. Lesões piogranulomatosas em intestino podem levar a quadros como diarréia, tenesmo, hematoquezia e obstruções.

Diagnóstico

Não há um teste único que estabeleça diagnóstico de PIF, portanto o mesmo baseia-se na somatória de informações adquiridas por meio de anamnese clínica, exame físico e exames laboratoriais, sendo que a maior parte dos achados são inespecíficos.

No hemograma, pode-se observar anemia não regenerativa com microcitose em 35% dos casos, leucocitose por neutrofilia e linfopenia. Exames bioquímicos diferem nos resultados dependendo dos órgãos comprometidos. Aumento da atividade sérica das transaminases hepáticas e hiperbilirrubinemia pode ocorrer e azotemia podem ser detectadas. Um dos achados mais importantes é o aumento da proteína total decorrente de hiperglobulinemia e hipoalbuminemia. No caso de PIF efusiva, na avaliação do líquido efusivo pode-se observar exsudato asséptico ou transudato modificado e relação albumina:globulina < 0,4.

Provas sorológicas para detecção de anticorpos incluem ELISA, IFI e imunocromatografia, que detectam exposição prévia a qualquer coronavírus. Títulos acima de 3200 são considerados sugestivos de PIF, no entanto títulos baixos ou negativos não excluem a doença.

O RT-PCR quantifica o nível de RNA mensageiro do vírus mutado presente monócitos de tecidos ou fluidos coletados tem alta sensibilidade, porém depende da carga viral presente na amostra. Detecção de material genético do coronavírus em tecidos ou amostras de fluidos (líquido ascítico, efusão pleural, líquor ou humor aquoso) também podem ferramentas úteis para o diagnóstico.

O diagnóstico definitivo é feito a partir de biópsia e histopatológico e pode também ser associado a imunohistoquimica.

Tratamento

O tratamento, até recentemente, era apenas de suporte, visando atenuar sintomas e reduzir a progressão da doença a partir do uso de imunossupressores como prednisolona e clorambucil, fornecendo bom suporte nutricional e redução dos fatores de estresse.

O tratamento com interferon recombinante humano e felino mostraram-se eficaz na inibição da replicação do coronavirus felino in vitro, porém estudos in vivo não tiveram resultados positivos.

Recentemente um novo fármaco tem se mostrado promissor no tratamento da PIF. O GS-441524, ainda em estudo no exterior, apresentou remissão de 24 casos dentre 31 gatos, sendo que destes 8 recidivaram após interrupção do tratamento e necessitaram de novo ciclo, tendo sido bem sucedido em 7 dos casos. Cada ciclo consiste em 12 semanas de tratamento e apresentou como efeitos colaterais reações no local da aplicação. No entanto o tratamento ainda é considerado experimental e bastante oneroso.

Prevenção

A prevenção da PIF ainda é um desafio. Em colônias deve-se triar gatos positivos e negativos para o coronavirus e realizar sua separação. A introdução de novos gatos também deve ser feita mediante sorologia e PCR negativos. Manejo higiênico sanitário adequando e evitar superpopulação de animais são medidas importantes para reduzir estresse e disseminação do vírus. Ainda não há vacina disponível.


Carlos Alberto Geraldo

M.V. MSc. Carlos Alberto Geraldo Jr

Graduado em Medicina Veterinária pela UNIPINHAL em 2002.

 Mestre em Clínica Veterinária pela FMVZ-USP em 2009, sob orientação do Prof° Dr° Archivaldo Reche Jr, com ênfase nas doenças infecciosas de felinos.

 Foi Médico Veterinário contratado do HOVET-UNIPINHAL 2003-2009 (Clínica Médica e Anestesia de pequenos animais).

 Professor de Terapêutica aplicada do curso de Medicina Veterinária da UNIPINHAL em 2009.

 Professor de Clínica Médica de Pequenos Animais do curso de Medicina Veterinária da FMU de 2010 a 2013.

 Coordenador da sala de Medicina felina do Congresso das Especialidades em 2013 e 2015 e do CAT CONGRESS em 2017, 2018 e 2019.

 Nos últimos 5 anos realizou mais de 100 palestras na área de medicina felina em diversas regiões do Brasil, incluindo cursos de pós-graduação, congressos regionais e nacionais, bem como participação em cursos internacionais e conferências on-line. 

 Há 11 anos atuando como Médico Veterinário da Clínica de Especialidades Vetmasters, com atendimento exclusivo a felinos. 

 Sócio proprietário da Clínica MasterCat em Jundiaí, realizando atendimento exclusivo a felinos desde 2018, sendo a única clínica especializada em gatos da região.

 Membro associado da American Association of Feline Practitioners