Cães, Gatos

Como o avanço da tecnologia pode agregar valor aos seus atendimentos

No século passado, a medicina diagnóstica tinha uma dificuldade básica: a realização de exames, seja para confirmar uma suspeita clínica, ou para auxiliar o médico no monitoramento do paciente e/ou tratamento. Além da dificuldade de acesso aos exames complementares, eles  também tinham custos elevados, longos prazos para liberação dos resultados e precisavam ser realizados nos grandes centros de diagnóstico. Felizmente, ao longo do tempo e com o avanço da tecnologia, novos exames e metodologias de diagnósticos foram desenvolvidos e aprimorados, tornando os exames complementares mais acessíveis em todos os sentidos.

A evolução da tecnologia trouxe uma nova linha de equipamentos já inseridos no dia a dia das pessoas e há muitos anos utilizados na medicina humana, os equipamentos de diagnóstico “Point of Care” (POC) ou “exames realizados no ponto de atendimento”. Os equipamentos POC são descritos como portáteis e de fácil manuseio, cujo uso não se limita ao ambiente laboratorial. Essa classe de equipamentos foi especialmente desenvolvida para permitir que exames sejam realizados em clínicas, internações, centros de pesquisa, haras e fazendas com a mesma acurácia e confiabilidade dos grandes laboratórios, em apenas alguns minutos. São inúmeros os exames que podem ser realizados através destes equipamentos e muitos deles já estão inseridos na rotina de veterinários e tutores. Alguns exemplos são: aparelhos portáteis para dosar glicose, equipamentos para aferir a pressão arterial e, atualmente, os testes para detecção da COVID disponíveis em farmácias.  

Na medicina veterinária, muitos exames POC já são de uso rotineiro como os glicosímetros e os testes rápidos para diagnóstico de diversas doenças como as hemoparasitoses em cães, doenças virais como a cinomose, FIV/FELV nos felinos, giardíase, entre outras. Além dos testes rápidos, alguns equipamentos tornaram-se mais acessíveis aos proprietários de clínicas e centros de internação. Nesse caso podemos citar os equipamentos de análises bioquímicas, contadores hematológicos e até mesmo alguns aparelhos de imagem como o ultrassom.

Tais equipamentos complementam o atendimento do médico-veterinário e corroboram para agilizar o diagnóstico e instituir o melhor tratamento no momento da consulta. O uso do POC no exame de imagem já é bem aceito no mercado denominado como “Fast”, que permite visualizar de maneira rápida e eficaz efusões abdominais e pleurais, infecção uterina (piometra) e ruptura da vesícula biliar, entre outras patologias.

A avaliação sanguínea no momento da consulta também traz grandes benefícios para tutores e veterinários. Em apenas alguns minutos, é possível identificar com acurácia e segurança quadros  anêmicos, processos inflamatórios, suspeita de doenças neoplásicas, alterações bioquímicas em pacientes com quadros críticos como obstrução uretral, cetoacidose diabética, entre outros.

Em meio a tanta tecnologia e informação disponível no mercado, uma dúvida ainda permeia o pensamento dos veterinários: quando utilizar o POC e como tirar o melhor proveito dos exames realizados no ponto de atendimento sem perder a credibilidade dos resultados liberados?

Com o objetivo de regulamentar a realização de exames em estabelecimentos veterinários, no dia 02 de dezembro de 2020, o Conselho Federal de Medicina Veterinária publicou a Resolução 1.374 que reconhece os equipamentos POC (incluindo os analisadores hematológicos e bioquímicos) como exames de triagem e/ou emergenciais, que não exigem uma estrutura específica.

Frente ao pronunciamento do conselho federal, surge mais uma dúvida: quando as informações obtidas em um equipamento POC são suficientes e quando é preciso solicitar exames complementares aos laboratórios de apoio? Este é o questionamento de muitos profissionais, que muitas vezes deixam de utilizar esses equipamentos por não saberem como agir.

Entretanto, a resposta a essa dúvida é simples. Vamos até onde o conhecimento nos permite ir. A mesma frase vale para qualquer especialidade.

Equipamentos POC são desenvolvidos para serem manuseados por clínicos e não apenas por profissionais habilitados em análises clínicas. Um bom equipamento de POC deve possuir um robusto controle de qualidade interno e tecnologia capaz de identificar possíveis problemas.

De modo geral, esses equipamentos se comunicam com o usuário através de “flags” ou advertências, que sinalizam quando uma amostra está fora do padrão considerado normal para a espécie ou quando a reação não ocorre de forma esperada. Além dos “flags”, alguns contadores hematológicos liberam gráficos também chamados de histogramas. Formatos atípicos desses gráficos apontam a presença de alterações na amostra e sugerem a necessidade de uma avaliação mais apurada pelo patologista clínico.

Todo equipamento POC, seja ele na medicina humana ou veterinária, é desenvolvido com o intuito de melhorar a rotina clínica do médico frente ao seu paciente e agilizar o diagnóstico para que seja estabelecido o melhor tratamento de maneira precoce e assertiva. Muitas vezes, respostas rápidas podem ser o  fator decisivo entre a vida e a morte de um paciente. A tecnologia não tem o intuito de substituir nenhum profissional especializado na área da saúde. Como propõe a classificação do CFMV,  quando falamos de POC, estamos falando de testes de triagem. Casos e amostras  que fogem ao padrão esperado,  devem continuar sendo encaminhados a especialistas.

Além dos benefícios diretos que os equipamentos trazem para o médico-veterinário, eles aumentam a credibilidade da clínica perante o tutor, oferecem comodidade e estreitam o relacionamento entre veterinário, paciente e tutor.

A tecnologia aliada ao conhecimento do médico-veterinário oferece inúmeras possibilidades. O principal objetivo é exercer uma medicina veterinária de qualidade em todas as fases de vida do paciente. Seja nos primeiros anos de vida, através da construção de valores de referência individualizados, na meia idade, com exames preventivos, ou no paciente idoso, dando todo o suporte que ele precisa.

Autor: Patricia Braconaro

Médica veterinária e Assistente técnica de diagnósticos da Zoetis.

Patricia Braconaro

Referências:

Boysen SR, Lisciandro GR. The use of ultrasound for dogs and cats in the emergency room: AFAST and TFAST. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2013 Jul;43(4):773-97. doi: 10.1016/j.cvsm.2013.03.011. Epub 2013 Apr 25. Erratum in: Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2013 Nov;43(6):xiii. PMID: 23747260.

RESOLUÇÃO Nº 1.374, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2020 Brasil. Resolução 1.374 Conselho Federal de Medicina Veterinária. Brasília. 02/12/2020. Disponível em: https://www.cfmv.gov.br.

Flatland B, Freeman KP, Vap LM, Harr KE; ASVCP. ASVCP guidelines: quality assurance for point-of-care testing in veterinary medicine. Vet Clin Pathol. 2013 Dec;42(4):405-23. doi: 10.1111/vcp.12099. PMID: 24320778.

Pelchat J, Chalhoub S, Boysen SR. The use of veterinary point-of-care ultrasound by veterinarians: A nationwide Canadian survey. Can Vet J. 2020 Dec;61(12):1278-1282. PMID: 33299243; PMCID: PMC7659883.